quinta-feira, 30 de outubro de 2025

Conhecimento e Ignorância

 O que é Conhecimento?

Na filosofia, o conhecimento é tradicionalmente definido como uma crença verdadeira justificada. Isso significa que, para sabermos algo, precisamos atender a três condições:

1.  Crença: Você deve acreditar na proposição. Não se pode saber algo sem acreditar que é verdade.

2.  Verdade: A proposição em que você acredita deve ser objetivamente verdadeira. Você não pode "saber" algo que é falso.

3.  Justificação: Você deve ter boas razões, evidências ou argumentos para sustentar sua crença. Não pode ser apenas um palpite ou uma opinião infundada.

Conhecimento é a compreensão ou apreensão da realidade através da experiência, razão ou estudo, que é factual e validada.

O que é Ignorância?

A ignorância é, em seu sentido primário, a ausência de conhecimento. É o estado de não saber, de não ter informação ou compreensão sobre um determinado assunto.

No entanto, a ignorância não é simplesmente um "vazio" de conhecimento. Ela pode ser:

Passiva: Quando a pessoa simplesmente não teve acesso à informação.

Ativa (Ignorância Votada): Quando a pessoa escolhe ignorar ou rejeitar informações e evidências disponíveis.

Tipos de Conhecimento

Os filósofos costumam categorizar o conhecimento em vários tipos. Os principais são:

a) Conhecimento Empírico (ou a posteriori)

É o conhecimento derivado da experiência sensorial (visão, audição, tato, etc.). Depende da observação e da experimentação.

Exemplo: Saber que o fogo queima (porque você já viu ou sentiu), conhecer o gosto do sal.

b) Conhecimento Racional (ou a priori)

É o conhecimento adquirido pela razão e lógica, independente da experiência. Sua verdade é demonstrada pela coerência interna.

Exemplo: Saber que 2 + 2 = 4, que um triângulo tem três lados, ou que "todos os solteiros são não casados" (verdade lógica).


c) Conhecimento Filosófico

Definição: É um conhecimento especulativo, reflexivo e crítico sobre questões fundamentais (existência, moral, mente, linguagem). Busca compreensões gerais e não é facilmente verificável como o empírico.

Exemplo: Discutir o que é a justiça, questionar se temos livre-arbítrio, refletir sobre a natureza do bem e do mal.

d) Conhecimento Científico

É uma forma de conhecimento empírico, mas que é sistemático, metódico, falseável e provisório. Ele busca explicar fenômenos naturais através de teorias e leis testáveis.

Exemplo: A Teoria da Evolução, a Lei da Gravidade, o conhecimento sobre a estrutura do DNA.

e) Conhecimento Tácito (ou know-how)

É o conhecimento prático, difícil de ser formalizado ou transmitido por palavras. Está relacionado a habilidades e experiências pessoais.

Exemplo: Saber andar de bicicleta, saber nadar, a habilidade de um artesão esculpir madeira.

Tipos de Ignorância

Assim como o conhecimento, a ignorância também se manifesta de diferentes formas:

a) Ignorância Simples

É a mera ausência de informação. A pessoa não sabe e tem consciência de que não sabe.

Exemplo: Uma pessoa que nunca estudou astronomia não sabe como se formam os buracos negros. Ela pode dizer "não sei".


b) Ignorância Votada (Ignorância Ativa)

É a decisão consciente de ignorar fatos ou evidências. A pessoa tem acesso à informação, mas escolhe não a consumir ou a rejeitar.

Exemplo: Uma pessoa que se recusa a ler artigos científicos sobre vacinas e prefere acreditar apenas em informações de redes sociais não verificadas.

c) Ignorância Dogmática

Ocorre quando uma pessoa se apega a uma crença sem questioná-la, considerando-a absoluta e inquestionável, mesmo diante de novas evidências.

Exemplo: Na Idade Média, a crença dogmática de que a Terra era o centro do universo, ignorando as evidências astronômicas em contrário.

d) Ignorância Pluralística

É um fenômeno social onde a maioria do grupo ignora algo, mas cada indivíduo acredita incorretamente que todos os outros sabem. Isso leva a uma situação onde ninguém pergunta ou admite a ignorância.

Exemplo: Em uma sala de aula, nenhum aluno entendeu a explicação do professor, mas todos ficam calados porque assumem que os outros entenderam. A ignorância coletiva é mantida.


e) Ignorância Invincível (Invencível)

É uma ignorância da qual a pessoa não pode ser responsabilizada, pois não há como ela ter acesso ao conhecimento necessário.

Exemplo: Um médico no século XVIII que não poderia saber sobre a existência de vírus, pois a tecnologia para observá-los ainda não existia.

Exemplos Práticos de Conhecimento e Ignorância

1. Um médico sabe que os antibióticos são ineficazes contra um vírus porque têm conhecimento científico sobre microbiologia. |Uma pessoa ignora isso e pressiona o médico por um antibiótico para tratar uma gripe (podendo ser ignorância simples ou votada).

2. Um programador sabe como um algoritmo de busca funciona porque possui conhecimento técnico e lógico. Um usuário ignora como seus dados são coletados e usados online, acreditando que tudo é "de graça" (ignorância simples).

3. Um estudante sabe, através do conhecimento histórico e sociológico, que o conceito de raça é uma construção social sem base biológica sólida. Uma pessoa ignora a história e defende teorias racistas baseadas em preconceitos infundados (ignorância dogmática ou votada).

4.Um cidadão sabe que dirigir após beber álcool é crime e perigoso, com base em conhecimento jurídico e de segurança. Um motorista ignora os riscos e as leis, acreditando que "controla bem" mesmo bebendo (ignorância votada).

5. Uma pessoa sabe andar de bicicleta devido ao conhecimento tácito adquirido com a prática. Alguém que nunca tentou ignora completamente o equilíbrio e a coordenação necessários para realizar a tarefa (ignorância simples).

Conclusão

O conhecimento e a ignorância são dois lados da mesma moeda. O processo de educar-se e desenvolver o pensamento crítico consiste justamente em expandir o conhecimento e reconhecer e combater a ignorância — especialmente a votada e a dogmática, que são as mais perigosas para o progresso individual e coletivo.

Para saber mais:

A relação entre Conhecimento e Ignorância é um pilar da filosofia, mas também é explorada pela sociologia, psicologia e até pela gestão do conhecimento. Abaixo, apresento uma lista de autores, obras e recursos organizados por área de estudo.

1. Filosofia (Epistemologia: Teoria do Conhecimento)

Esta é a disciplina central para o estudo do que é saber, acreditar e justificar.

Autores e Obras Clássicas:

Platão: É a fonte primária. Em "A República" (Livro VI e VII), ele apresenta o Mito da Caverna, uma das mais famosas alegorias sobre a ignorância e a jornada em direção ao conhecimento. Em "Teeteto", ele investiga diretamente a definição de conhecimento.

Aristóteles: Em "Metafísica" (Livro I), ele começa com a famosa frase "Todos os homens, por natureza, desejam conhecer". Sua obra "Órganon" (que inclui "Analíticos Anteriores e Posteriores") estabelece as bases da lógica e do método científico.

René Descartes: Em "Discurso do Método" e "Meditações sobre a Filosofia Primeira", ele busca uma base incontestável para o conhecimento, partindo da dúvida radical ("Penso, logo existo") para combater a ignorância dos sentidos e opiniões pré-concebidas.

David Hume: Em "Investigação sobre o Entendimento Humano", ele é cético sobre a possibilidade de conhecermos relações de causa e efeito de forma absoluta, destacando os limites do nosso conhecimento.
Immanuel Kant: Em "Crítica da Razão Pura", ele faz uma síntese entre racionalismo e empirismo, investigando o que podemos conhecer ("as condições de possibilidade do conhecimento") e onde começa nossa ignorância inevitável sobre a "coisa em si".

Karl Popper: Em "A Lógica da Pesquisa Científica", ele introduz o conceito de falseabilidade. Para Popper, o conhecimento científico avança não pela verificação, mas pela tentativa de eliminar o erro (a ignorância), substituindo teorias falsificadas por outras melhores.

Autores e Obras Contemporâneas:

Bertrand Russell: Em "Os Problemas da Filosofia", ele oferece uma introdução acessível e brilhante às questões epistemológicas, incluindo a distinção entre conhecimento por familiaridade e conhecimento por descrição.

Harry Frankfurt: Embora não seja estritamente sobre ignorância, seu ensaio "On Bullshit" (Sobre Falar Merda) é um estudo fundamental sobre a indiferença em relação à verdade, que é uma forma ativa de promover a ignorância.

2. Sociologia e Estudos da Ignorância (Agnotologia)

A Agnotologia (cunhada por Robert Proctor) é o estudo da produção cultural e política da ignorância.
Autores e Obras Principais:

Robert Proctor & Londa Schiebinger (Editores):** O livro "Agnotology: The Making and Unmaking of Ignorance" é a obra fundadora deste campo. Ele explora como a ignorância é ativamente produzida por meio de segredos, supressão de dados, negação e desinformação.

Naomi Oreskes & Erik M. Conway: Em "Merchants of Doubt" (Mercadores da Dúvida), os autores documentam como um pequeno grupo de cientistas obscureceu a verdade sobre questões como o fumo e o aquecimento global, produzindo ignorância deliberadamente para atrasar a ação pública.

Charles Mills: Em "The Racial Contract", Mills argumenta que o racismo não é apenas ódio, mas também um sistema de ignorância sancionada, onde a sociedade branca é ensinada a não ver e a não saber sobre a opressão racial.

3. Psicologia e Viés Cognitivo

A psicologia explica por que nossos cérebros são propensos a certos tipos de ignorância e erro.

Autores e Obras:
Daniel Kahneman:** Em "Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar", ele detalha como nosso cérebro usa atalhos (heurísticas) que muitas vezes levam a vieses sistemáticos e erros de julgamento, uma forma de ignorância cognitiva inerente.

Carol Tavris & Elliot Aronson: Em "Mistakes Were Made (But Not by Me)", os autores exploram a dissonância cognitiva - o mecanismo psicológico que nos leva a justificar nossas crenças e ações, ignorando evidências em contrário para proteger nosso ego.

Steven Sloman & Philip Fernbach: Em "The Knowledge Illusion: Why We Never Think Alone", eles argumentam que confundimos o conhecimento da nossa comunidade com o nosso próprio, levando a uma ilusão de profundidade explicativa (achamos que sabemos como as coisas funcionam, mas na verdade não sabemos).

Resumo Prático para Iniciar

Se você quer começar de forma acessível, siga este roteiro:

1.  Para uma base filosófica sólida: Leia "Os Problemas da Filosofia", de Bertrand Russell, e assista a alguma palestra do Cortella sobre o tema.

2.  Para entender como a ignorância é fabricada: Leia "Merchants of Doubt" (Oreskes & Conway) ou assista ao documentário baseado no livro.

3.  Para entender os vieses da sua própria mente: Leia "Rápido e Devagar", de Daniel Kahneman.


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